19 de fev. de 2013

Sobre aquele textinho que você compartilhou no Facebook


Estou embevecida com Carmem e quero compartilhar com vocês o meu encantamento. Primeiro: não sabia se Carmem realmente existia, fiz uma busca por ela e a encontrei. Então sim, ela existe, aí explodi de felicidade. Espero que a Carmem venha ao meu aniversário um dia, convidar para o meu aniversário é algo muito importante pra mim.



A Carmem escreveu um texto que muito me tocou. O nome é A arrogância segundo os medíocres. Ela tem muita certeza do seu texto, das suas convicções, tanto que não se intimidou em parafrasear o título do comunistão Saramago neste belíssimo manifesto em defesa do bom gosto. A Carmem é foda, vocês vão ver mais adiante.

Minha - quem sabe eu dou sorte, né - futura amiga começa o texto assim (vou colar aqui para situar vocês); 

“Adorei o seu sapato”, disse uma amiga para mim certa vez.
“Legal, né? Eu comprei em uma feira de artesanato na Colômbia, achei super legal também”, eu respondi, de fato empolgada porque eu também adorava o sapato. Foi o suficiente para causar reticências  quase visíveis nela e no namorado e, se não fosse chato demais, eles teriam dado uma risadinha e rolariam os olhos um para o outro, como quem diz “que metida”. Mas para meia-entendedora que sou, o “ah…” que ela respondeu bastou.

Bem, eu sou uma pessoa esfaimada por elogios, entendo a Carmem. Muito chato a amiga em questão não ter perguntado mais sobre a viagem pela Colômbia ou ter, ainda que de forma tácita, recriminado a nossa heroína por ela ter se estendido sobre a origem do sapato ao invés de dizer apenas "obrigada".  A mágoa da Carmem com a amiga se baseia em "reticências quase visíveis" no que talvez possa ser simplesmente coisa da cabeça dela. 

Eu, nos meus devaneios, acho que a Carmem esperava ser censurada por revelar que comprou o sapato em uma ação de compra que envolvia muita personalidade, uma ação muito Carmem (com todas as idiossincrasias da Carmem). Fico pensando - mas ainda bem que isso não aconteceu, porque se com as tais "reticências quase visíveis" ela escreveu um manifesto que rodou o Facebook - o que ela, a Carmem, não faria se a amiga falasse "Aff mas não tinha nada parecido na C&A, não? Precisava ir tão longe?"

Os meteoros russos talvez caíssem por aqui mesmo.

Outra reclamação da nossa amiga é que ela tem que manter os interesses dela  apenas para poucos ilustríssimos-selecionados-ouvintes;

"(...) fazem com que eu mantenha minhas viagens em 13 países, minha fluência em francês e meus conhecimentos sobre temas do meu interesse (linguística, mitologia, gastronomia etc) praticamente para mim mesma e, em doses homeopáticas, comente entre meu restrito círculo familiar e de amigos (aquele que a gente conta nos dedos das mãos)"



Acalme seu coração, Carmem! Se você está sofrendo "retaliação" por ter essa bagagem toda, alguma coisa está errada, vamos tentar entender o que é. Eu penso que o que gostamos, o nosso conhecimento, nossos interesses e até nosso sofrimento pregresso é genuinamente parte do que somos, ele é natural e é recebido de forma também natural pelas pessoas. De forma prática, Carmem, se tudo o que você construiu: as suas viagens, o seu francês etc, intimidam os outros, a sua postura pode sim ser arrogante e isso independe das suas conquistas. Você poderia comprar a sandalinha da Azaléia e ainda assim diria isso de uma forma chata. Pode ser que você também seja chata.


Precisamos ajudar essa moça a flanar como um cisne em todas as camadas sociais, todas as "tribos". Quero compartilhar isso já que ela alegou, nesse mesmo texto, algo que me deixou preocupada, bastante preocupada; 

"Essa censura intelectual me deixa irritada. Isso porque a mediocridade faz com que muitos torçam o nariz para tudo aquilo que não conhecem, mas que socialmente é considerado algo de um nível de cultura e poder aquisitivo superior." 

Meu Deus, Carmem! Censura intelectual por parte de um bebedor de energético que ouve sertanejo e se acaba numa pizza de estrogonofe? Quando você mencionou isso achei que tinham ressuscitado o Geisel e que o Dops viria aqui em casa confiscar o meu livro preferido de Aldous Huxley que tem a capa vermelha! 

Reduz essa marcha aí, por favor!

Peraí, você está me dizendo que se nivela por baixo quando está em companhia de pessoas que você considera "medíocres"? Ou seja, as pessoas "medíocres" abalam de tal forma a Carmem culta que ela se sente reprimida juntamente com toda a sua cultura e coisa e tal? Realmente é algo muito grave e fico muito chateada em saber que não é possível para as Carmens da vida encontrarem um ponto de interseção que as faça se comunicar com pessoas que não tenham necessariamente muitas coisas em comum. Ainda bem que não é regra.


Não é arrogante, de fato, relatar viagens, presentinhos de lugares exóticos, e todo o misancene (vou aportuguesar ,Carmem, 1000 perdões), falar uma palavra em inglês ou javanês no meio da frase, tudo isso faz parte da história de alguém. O que é autêntico não incomoda. O arrogante talvez seja achar, de antemão, que todos esses elementos supracitados são grande coisa, que a cafonice das pessoas é um entrave ao contato ou mesmo que existe - oh my Lord - uma perseguição e dominação da piriguete de luzes à delicadeza intelectual da Carmem. 


Confesso que achei o texto da Carmem "nouveau hipster". Inventei o termo para os amigos da cultura porém muito mais amigos de praticar esse "conhecimento" com fãs da novela das oito. 

Será que existe habitantes desse planeta que buscam conhecimento para se diferenciar das pessoas? Estar...como se diz "um degrau acima"? O quão equivocada pode ser essa ideia? Por que pessoas como Jorge Amado, o fotógrado Evandro Teixeira e  Antônio Maria circularam em qualquer meio e nunca precisaram escrever um "manifesto ao bom gosto"  como esse da Carmem? 

Por que eu, colecionadora de MP3 de jazz, pesquisadora de gastronomia brasileira, fã de literatura inglesa nunca me senti tão oprimida com o meu conhecimento (miserável conhecimento) como a Carmem se sente? De onde vem essa legião de cafonas opressores que eu nunca vi? 

Cheguei a conclusão de que a autenticidade não irrita ninguém, ela é simples. A autenticidade é barata, nasce com a gente, faz com que nos comuniquemos com as pessoas, nos torna agradáveis ao entendimento mais bruto, nos leva da favela para a Europa e ainda, faz com que sejamos talentosos. Traz naturalidade, faz com que as pessoas fiquem curiosas sobre os lugares por onde andamos e não torçam o nariz em "reticências quase visíveis" para o nosso sapatinho colombiano. 

4 comentários:

anouska disse...

Oi, Camilla. Uma amiga recomendou seu texto e eu não poderia deixar de comentar. Você foi muito sensível ao apontar - com muito bom humor - onde reside o 'nó' do problemão da Carmem. Eu não teria essa capacidade, para mim o texto dela parece #mimimi de criança de 5º ano. Adorei. Bjs

Camilla Lopes disse...

ainda a pouco, Cris, eu estava pensando nessa infantilidade a que você se refere. a Carmem veio me perguntar o motivo da minha "fúria" (sério). fico chateada, de verdade, por essas pesssoas, como ela, serem tão vaiodosas ao acharem que não são passíveis de crítica. penso que é inevitável ao emitirmos uma opinião de maneira tão incisiva quanto a dela. obrigada e beijo.

@willard_captain disse...

Camilla "Paveway IV" Lopes :)

Fernanda disse...

Não basta comentar, tem que compartilhar. E é isso que eu vou fazer pq, olha, quando eu li o texto da Carmem - Carminha, para os íntimos - minha boca se contorceu e formou um -Q? que durou 1 minuto inteiro. Obrigada por fazer do meu choque um texto imensamente mais bacana.

Beijos