30 de mar. de 2011

Questão de identificação



As revendedoras AVON ainda vão na casa das mulheres, mas não como antes, quando elas sempre estavam em casa.

Não consegui me identificar com as "feministas blogueiras". Talvez me sentisse diferente se elas não repetissem "sexismo" a cada 10 palavras, talvez seja mais relevante ainda, que elas entendam que sair das aulas de sociologia seja interessante. Que palavras como "gênero" "sexismo" "machismo" "sociedade de consumo" - são fundamentais mas, -  não chegam até muitas das mulheres. Que para mudar a realidade de um país onde os índices de violência contra a mulher atingem picos arrasadores, é preciso humanismo. Que a comunicação sempre deve ser ampla quando a medida é emergencial. Assim...trabalho de campo. Sou jornalista, o que entendo disso? O que vivo e trabalho. Mas entendo que, só através da linguagem do povo você alcança o povo. 

Estou trabalhando em uma campanha popular de produtos de limpeza que tem como proposta a atingir a classe E, D, C, B - mulheres que realizam os trabalhos domésticos e também, na maioria das vezes, tem vida profissional fora do lar. De modo que, o casal trabalha fora e o exercício dos trabalhos domésticos por cultura, fica a cargo da mulher fazendo com que ela esteja sempre exaurida de chegar em casa e cozinhar, limpar, lavar... A mulher exausta não reclama. Afinal o marido já era tratado assim na casa da mãe e a mãe dessa mulher tratou assim o pai dela e os irmãos. Por exemplo, aos domingos  minha mãe sempre me obrigava a lavar uma pilha de louça enquanto meus irmãos da mesma faixa etária, iam jogar videogame. Eu protestava mas não tinha jeito, no final predominava o fato de eu ser mulher e as coisas eram assim.
Para muitas das mulheres brasileiras, dar conta do lar, do marido e dos filhos sozinha é  obrigação e sinal de competência. Há mães que quando visitam filhas, vasculham tudo e no final despejam um rosário de críticas.

- Você não está limpando esse azulejo direito hein.

Ou mães ou sogras, isso acontece muito. Será que as feministas limpam os azulejos? Será que elas tem grana pra pagar uma empregada? Gostaria que tivessem tido essa experiência ou ao menos contato com isso. Vamos aos dados;

Tá cada dia mais caro ter uma empregada doméstica no Brasil leia aqui --> Leia aqui

E o pior dado. Segundo o Ipea, em uma pesquisa de 2010:  "A mulher chefe de família é a que mais trabalha em casa e no emprego  --- >>>  "Média de 30,3 horas semanais nos afazeres domésticos"

É fácil para as feministas dos blogs condenarem essa condição. Pra mim, não. Por mais que eu tenha subvertido em conhecimento o meu histórico familiar de um clã de gente portuguesa e provinciana - sempre fui cobrada pra ter lado "dona-de-casa perfeita". Para se ter uma ideia, no meu casamento minha vó perguntava, 

- Não vai servir o prato do seu marido?

É simbólico, mas pela lógica familiar meu marido teria de ser servido primeiro. Entendem? Eu viria depois. Claro que não suportei o casamento, além do quê sofri muito nessa relação. E a minha referência maior de mulher, como na maioria das mulheres, era minha mãe, avó. Minha mãe ouviu durante anos do meu pai que, caso ela se separasse dele, não teria onde cair morta. Minha avó suportou as mil amantes do meu avô e por aí vai. 

Muitas das feministas blogueiras criticaram a propaganda violentamente. Será que na raivosa postura de sempre - acreditem, elas brigam entre elas, certa vez brigaram entre si por causa do jornalista Nassif -  elas viveram o cotidiano das mulheres da pesquisa do Ipea? Por que não me identifico com o que elas fazem nas mídias sociais? Sério, elas se preocupam em brigar com blogueiros bobinhos que falam de cerveja e futebol mas ainda não vi - até onde eu sei - uma parceria com a Safernet para coibir os abusos e incitações de violência contra a mulher que ocorrem no popular Orkut. Inclusive, quando comentei isso com uma delas a resposta foi;

- Ah, eu nem falo mais nada.

Então tá.

Por que será que elas não conseguiram entender que a propaganda em tom de brincadeira tem a proposta de estimular a participação masculina nos afazeres domésticos? Por que elas não conseguiram perceber que, através da venda de um produto extremamente popular, pode-se levar outras ideias aos lares de mulheres cujas mães e sogras ensinaram a elas que deveria ser delas a responsabilidade de assumir a limpeza da casa? 
Porque pagar R$ 545,00 a um empregado doméstico é inviável para famílias que estão dentro da oferta de crédito pagando carro, casa própria na prestação.... Não dá pra deixar Beauvoir e o velho discurso de lado um minuto? Conversar com as mulheres comuns, nos salões, no ônibus... ao invés da pretensão da discussão ideológica da qual a mulher brasileira que mais precisa quase não participa...

Eu trabalho por dinheiro e porque eu gosto. Não trabalho no que não acredito, estou satisfeita em estar fazendo um trabalho limpo onde eu me comunico com mulheres com anseios parecidos com os que já tive. É com essa mulher que eu me identifico.

Ps. procurei ler textos das moças antes, achei que continham muito lugar comum nenhuma preocupação com dados. 

Ps2. Há uma iniciativa interessante por parte das blogueiras feministas o http://machismomata.wordpress.com  que peca ao incluir mulheres vítimas de violência comum no mesmo balaio de mulheres vítimas de homens machistas.

Ps3. Reparei que muitas delas chamam a presidente Dilma de "presidenta". Bem, além de feio, presidenta não estaria reafirmando a divisão de gêneros? Tem que ver isso aí.

14 comentários:

Ana B. disse...

Quero morrer!
Fiz um comentário monstruoso, n dei ctrl c e o perdi! putz!!!

Tentando resumir, eu concordo com vc, apesar dos pontos que discordo! iauahauahua

Na verdade, não gostei da propaganda, mas não tinha mesmo pensado pela forma que vc mencionou... Principalmente pq só assisti a dita cuja uma vez. Olharei com mais carinho.

As mulheres que levam essa vida multifunção são sim admiráveis. Detestáveis são aquelas que, mesmo pertecendo a última geração, defendem valores machistas e acreditam que as atividades domésticas são de exclusiva responsabilidade do sexo feminino, e provavelmente ensinarão seus filhos assim.

Houve, e está havendo uma mudança cultural, e quanto mais mulheres se derem conta de que a luta por espaço continua, melhor... Mas eu não sou do tipo que converte as meninas para a causa, pois morro de preguiça de discutir. Se ela quer ser a rainha do lar, se ela acha que o marido vai perder a masculinidade se lavar uma louça, azar o dela.

E, por fim, sou encantada com a proposta do blog "machismo mata", é fundamental divulgar que o machismo é prejudicial a sociedade como um todo, e não só as mulheres. Tem muito marmanjo por aí que ainda não percebeu o alcance da questão!

Pronto, foi meio de qq jeito, mas acho q deu pra entender...

Ah, e acho que esse tipo de discussão sobre o que é feminismo e as posturas equivocadas que nós enquanto mulheres acabamos tomando quando tentamos defenfê-lo, é algo muito produtivo!

=)

Laise Caetano disse...

Tem que ver isso de PresidentA mesmo, já que a própria Dilma falou que assim gostaria de ser chamada e ela é mulher, então tá errado né?

Está falando da propaganda do Bombril, certo? Então, se o objetivo era proximidade com o público mais "humilde", qual o sentido de colocar na propaganda uma atriz com pinta de elite intelectual (tô falando daquela com a Marisa Orth)?
Sei não, tem que ver isso ae.

Parabéns pelo trabalho, pena intenção e pela explicação

E idem ao que a Ana falou aí em cima.

Abraços

Camilla Lopes disse...

Oi Laise,

o público é amplo, a ideia do terninho é para equiparar os gêneros,

obrigada pelo comentário,

um beijo

Luiza disse...

Tava super lendo sua análise até chegar no "raivosa".

Camilla Lopes disse...

desculpa Luisa, mas baseado no que vi durante a campanha da Dilma - e eu votei nela hein- não encontrei outro adjetivo melhor para relatar muitas das situaçoes que presenciei e que anulam o debate,

obrigada pelo comentário,

Camilla

Anônimo disse...

Literalmente tudo que eu penso!
Principalmente sogra que é incrivel como não aceita a ideia que o filho dela (um dia se isso se concretizar) possa ajudar nos serviços domesticos, chega até a tirar sarro dele!
Não sou aquela feminista, mas também não aceito que ambos trabalhem durante o dia e o marido pode chegar em casa e levantar os pés para a mulher varrer!
Irrita muito homens folgados e que não compreendem as mulheres

beijos
adorei o blog!

Bárbara Paese

Gil disse...

Interessante do seu ponto de vista, é que você permanece e fala como mulher incluída na fatia da mulher "comum" de uma maneira ou de outra, não só brasileira, que fazem muito mais que as tais heroínas feministas revolucionárias da internet. Acho que a rede deixou muita gente mal acostumada, "não se vê mais revoluções como antigamente" não é isso? É fácil botar a boca no trombone - ou melhor, os dedos nas teclas - e sair espalhando pela rede. Difícil mesmo é tentar fazer a diferença. O mundo tá cheio de revolucionários preguiçosos :/

ps.: não sei de que propaganda você está falando, sou nova visitante do seu blog, se for possível, pode me dizer pra que eu pesquise no youtube? obrigada.

bom post, boa escrita, desejo que continue fugindo ao clichê ;**

Luana Vignon disse...

Cheguei em casa do trabalho, minha mãe me visitava, e mandou essa:
- Coitado do Pierre, trabalhou o dia inteiro e ta lá lavando a louça...
Minha mãe não é uma boçal, é uma mulher inteligente, independente e nunca abaixou a cabeça pra homem nenhum. Mesmo assim, alguma coisa a fez pensar que eu estava a jogar amarelinha durante todo o dia. Acho que a reprodução desse tipo de comportamento também passa pelo "comigo foi assim, sobrevivi, pq com vc tem que ser diferente"?
Essa discussão é claramente necessária, mas eu não acho que propaganda faça algo além de vender um produto.

beijo, Camilinha

Anônimo disse...

Em uma palestra que assisti com Aleida Guevara aqui em Florianópolis ela comentou sobre o fato de que o número de homens com o título de doutores ainda é maior do que o de mulheres, devido exatamente ao "problema" que a mulher enfrenta ao chegar em casa quando o marido belo e formoso se põe a estudar com os pés pra cima e a mulher cai nas suas "obrigações" domésticas sozinha. Se nós fazemos isso na frente dos nossos filhos como poderemos mudar essa imagem e consequentemente essa concepção que vem de tantos anos? É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito de tantos anos...

Rosana Rogeri disse...

Oi, Camilla, achei interessante seu ponto de vista, o que não invalida a forma como vejo a campanha da Bombril, porém, como propaganda, acho mesmo que atinge um público diretamente.

Quanto às blogueiras feministas tenho a mesma opinião que você, conheci o trabalho delas pelo Pdh e creio que não conhecem a realidade, estão presas à academia mesmo.

Agora quanto ao papel da mulher, acho que apenas uma parcela das mulheres é ouvida. É uma mulher classe média profissional que se acha no direito de falar por todas. No final é doutrinação. Tiram das mulheres e dos homens os papéis definidos de séculos e não colocam nada no lugar, acho complicado isso.

Quanto a mim, se o cara não divide o trabalho, não divide minha cama e pronto, uai. Agora querer que toda mulher aja dessa forma complica, não acha? Fiquei pensando se isso é coerente com o que disse no texto, mas não tive certeza. Que me diz?

Camilla Lopes disse...

Obrigada Rosana,

isabella disse...

Camilla, excelente.

Eu nunca tinha pensado deste jeito, mas, realmente, você disse tudo.

Na minha casa, meu pai é tão responsável (ou até mais, porque tem mais dotes, hehe) do que minha mãe. Louça, jantar, contratação de empregada (sim, que está inviável!).

Não vivo o machismo dentro de casa, ninguém cobra que eu saiba lavar, passar, cozinhar perfeitamente. Eles esperam que eu saiba me virar.

Não vejo o machismo de perto, nunca vi. Então, essa propaganda não fala comigo.

Meu pai é o primeiro a se meter na pia, no fogão, na máquina de lavar. Minha mãe, em compensação, faz todo o orçamento da casa. Sem divisões extremas.

Mas entendo (e fico embasbacada com seu ponto de vista). A maioria é machista, a propaganda fala com a maioria!

Na casa da minha avó, ela sempre faz cara feia porque não sirvo o namorado (mas, só reparei nisso agora, ela nunca espera que meus primos façam o mesmo com as namoradas...). Minha família ampla é super machista. Minha mãe foi vítima de uma família repressora de um pai (meu querido vovô) rigoroso e de três irmãos encrenqueiros. Acho que por isso se saiu liberal.

Enfim, gostei tanto do seu ponto de vista, que derramei aqui meus dramas pessoais... hehehe.

Até!

Camilla Lopes disse...

obrigada Isabella, agradeço muito pelo seu comentário e fico feliz pela sua família, são esses princípios "saber se virar" que eu quero pra minha filha. grande beijo.

Gustavo Gitti disse...

Camilla,

Pode parecer que impliquei com a campanha no Twitter, mas é só meu jeito de disparar críticas enquanto preparo um texto sobre um assunto.

Em relação ao seu texto, considero a campanha acertada como publicidade, mas não como tentativa de transformar a sociedade (o objetivo é vender, então faz sentido).

Estou comentando, na verdade, para lhe faze um convite: estamos preparando uma série de textos sobre a questão do machism no PapodeHomem.

A ideia é fazer um grande debate para durar mais de um mês com textos semanais e muita discussão nos comentários, igual fizemos com a série sobre prostituição: http://papodehomem.com.br/tag/prostituicao/

Entre as várias abordagens, gostaria de que você escrevesse longo um texto com suas críticas ao movimento feminista na web (achei perfeito o que disse nesse texto). Creio que temos muito a avançar nesse sentido em abandonar a linguagem acadêmica e falar diretamente com as pessoas.

Você topa?

Peço que me responda no gitti arroba papodehomem.com.br

Estou aqui com a Isabella (que também comentou) conversando sobre tudo isso. ;-) É muito saudável que a campanha traga esse debate. Nesse sentido, ponto para a Bombril. Mas em outros sentidos a coisa é diferente... hahaha

Abração,

Gustavo