27 de fev. de 2011

O inimaginável Pepe Moreno

Semana passada vimos um vídeo que alardeou corações: um clipe no qual a música relatava a história de um cego muito pobre que morava com a esposa e três filhos aleijados (atarracados e muito pequenos) num casebre em algum lugar do Nordeste.  Os três garotos, que conforme o clipe mostra, são levados para a escola num carrinho de mão. Realismo fantástico? Não, tudo obra do cantor baiano Pepe Moreno: nome artístico de Pépio Barbosa, de 32 anos. Natural de Macaúbas, no sertão baiano, Pepe nunca foi ao cinema mas, dirigiu, escreveu e compôs clipes que, como ele mesmo diz: "tá tudo escrevido na mente". Gravei esta conversa depois de muito procurar pelo Pepe, não foi fácil... mas a curiosidade e a vontade de desvendar a mente por trás de tal clipe gritaram demais. Na entrevista abaixo, vocês saberão quem é o cego, os meninos aleijados e vão conhecer mais um pouco do Pepe. 


DIGAM OI PRO PEPE



Camilla - Alou Pepe? Tudo bem?

Pepe - hummmm tudo JÓIA. (profunda adoração por quem fala "JÓIA")

C- Meu nome é Camilla, sou jornalista  do Rio de Janeiro e acesso muito o twitter onde,  inclusive,  você tem uma página.

P -A página do TUITI foi quem que criou?

C - Ué, não foi você?

P - Eu não... não fui eu não. Como é esse negócio de Tuiti?

C - Ah... é uma rede social como se fosse um msn coletivo, você segue pessoas e elas te seguem e elas te respondem e você responde elas, é bem por aí.


P -Tudo ao mesmo tempo? (risos)

C- Sim, tudo ao mesmo tempo (Risos também)

P - É como se fosse uma emissora de rádio onde todo mundo manda seu recado?


C - É, mas o twitter é só de texto, Pepe.

P- Não...assim ... é liberado pra todo mundo mandar seu recado? Ou é igual ao Orkut que você tem que adcionar assim assim (S2) pra falar com as pessoas?

C -Ah não... é liberado.


P - Pra quantas pessoas você passou o vídeo?

C- Ah...eu passei pra quem me segue, que passou adiante, sei lá... mais ou menos mil, duas mil pessoas.

P - Hum. Eu tô aqui na Bahia eu tô até entregando uma casa pros menininhos. (os meninos aleijados do clipe)

C - Quando você gravou esse clipe do cego?

P - Tem mais ou menos um ano agora, eu lancei no mês de junho do ano passado.


C -  Ele é de onde esse rapaz, o cego? Conta essa história aí Pepe.

P - A família dele é daqui da Bahia. Esse rapaz que canta ele não é o pai daqueles meninos aleijados. É outro rapaz aqui (independente da idade Pepe chama homem de "rapaz" e mulher de "menina") Aquela menina que tá no clipe é mãe de dois meninos, aquele que tá com a camisa do Flamengo é sobrinho dela. É filho do irmão dela.No clipe o cego (o nome dele é Marcos) só tá fazendo um papel de pai deles e marido dela.

C-  Hum...então quer dizer que nessa família muitos tem deficiência física?

P - Sim, e ela tem uma menininha que tá com dois anos e já se sabe que não vai andar também.É esse negócio aí de primo que dá...eles são todos tímidos esses meninos... eles nem falam direito. Eu conheci essa família não tem muito tempo, mas o cego eu conheço desde menino.

C - Pepe, você que bolou aquele roteiro do clipe?

P - Foi, tudo eu.


C- Quando tempo você demorou pra gravar aquele clipe?

P - Demorei um dia. Mas eu já tinha "escrevido" tudo na mente já...tudo o que eu ia fazer, já tinha gravado a música antes...E aquele cego que tá cantando, ele tem uma irmã cega também, gravei um DVD dele chamado Marcos e Luciana.


ALOU VOCÊS! SABE QUEM SOU EU? (RSRS)


C- E aquela moto fera, é sua?

P- (risos) Não, é de um amigo, eu não gosto de moto grande não

C - E por que usou aquela no clipe?

P - Ah, a história era pra eu chegar lá e ajudar eles... então era pra "chegar chegando",  né?

C- Então quer dizer que o clipe do cego é ficção?


P - É, eu criei a história já pensando no clipe. Mas eu faço isso pra ajudar,  dei uma casa novinha pra essa familia (dos aleijados) e gravei o DVD do rapaz cego. O Menino de Rua ( outro clipe de sucesso) já foi até no Gugu.


C- Você deu uma casa pra eles?

P- Dei, toda no azulejo. Foi semana passada, mandei até matar um boi, foi festa até umas horas, churrasco.

C- Como é: você pensa primeiro na música ou no clipe?

P - Eu penso em tudo ao mesmo tempo. Na letra Menino de Rua, eu  fui escrevendo já pensando em como poderia ser o clipe. (pensa um pouco...) Eu tive oportunidade de estudar, mas quase não fui a escola .A minha escola foi em São Paulo, né?

C- Você estudou em São Paulo?

P- É, em 2000 eu estava lá e entrei no "ABC"

C - Como assim?

P- ABC, AEIOU essas coisas. Olha, tinha a classe A, B e C e eu fiquei na C (risos) com os "mais ruim" foi naquela época em que o mundo ia acabar, no ano 2000, lembra?

C- Lembro... (risos)


P- É, eu estudei só aquilo lá mesmo e nem no ABC eu acho que consegui passar.

C- Mas você gosta de cinema, Pepe?

P- Nunca fui não.

C- Ah, você tá brincando comigo...você é famoso!


P- Nunca fui em cinema, nem sei como é...


C- Tá, mas você gosta de filme? Porque o que você está fazendo é quase um curta-metragem, a gente chama assim os filmes pequenos.


P- Eu queria fazer um filme, eu tenho um filme meu já todo "escrevido" na cabeça. Só que gasta muito fazer um filme, né?


C- Quanto você gastou pra fazer o clipe do cego?

P- Ah...eu gastei...é que eu sou um cara que gosto muito de xavecar os outros pra fazer as coisas pra mim (risos)  tem já as câmeras, tem os meninos que gravam e tem muitos caras que querem fazer as coisas comigo pra "se aparecer" , pra mostrar os trabalhos , mas acho que gastei uns três mil... você já viu o clipe do padre?

C - Já, muito engraçado...

P- Pois é, mas eu não sou "bebo" não viu...tô só interpretando.Naquele ali eu devo ter gasto isso, uns dois ou três mil reais.

C- E você acompanha todo o processo?

P- É... fico ali, né? Porque se colocar uma imagem que não gosto...


C- Você falou que tinha um filme na sua cabeça... sobre o que seria?

P- Filme da minha história mesmo. Do início.Mas é muito complicado gravar o filme, já é um equipamento que a gente não tem por aqui.

C- Dá pra viver essa vida de músico?


P - Dá. Eu toco desde 1996 praticamente todos os fins de semana, pelo interior, em barzinho, nos forrós, em casa noturna em São Paulo. Eu tenho na minha cabeça que eu tenho que tocar todo final de semana. Dando dinheiro ou não mas tenho que fechar shows, fazer bilheteria...Eu gravei CD, mas tem muita pirataria, oxe...se não fosse a pirataria eu tava rico. Por uma lado é bom que ajuda a divulgar. Mas vou fazer menos shows agora, eu tô lançando artistas.

C - Como é que você define seu estilo de música?

P - Ah, eu baguncei muito depois que comecei gravar esses clipes aí...Mas estou pensando em gravar um reggae...eu gosto de reggae.

C- Ah...você gosta do Bob Marley?

P- Gosto de Edson Gomes (famoso reggueiro baiano autor de, entre outras músicas, "Samarina" e "Sistema do Vampiro")

C- Pepe, você tem noção de quantas pessoas já viram o seu clipe do cego no Youtube?

P - Eu não sei usar muito internet. Eu uso Youtube, pago um menino pra atualizar meu Orkut, email eu entro e mando, MSN nem sei.

C - Pepe, juntando dois vídeos de "Um cego e três aleijados" dispostos no Youtube  quase um milhão de pessoas já viram esse clipe...O que você acha disso?

P- Muita gente...oxe é gente demais...será que é isso mesmo? Nossa, se você soubesse o quanto de gente que vem me pedir ajuda...Uma vez eu estava em Brasília e veio um senhor com uma fotografia dos trÊs meninos dele, tudo cego, cada um tocava um instrumento...mas o que eu ia fazer? Eu vou lançar um DVD com umas imagens e vai ter imagens da casa que eu dei pra esses meninos aleijados. Como te disse, mandei matar um boi e todo mundo comeu.

Pepe fica um tempo calado depois diz,


P - Eu to sem vontade de fazer videoclipe...


C - Por quê, Pepe?


P - eu vou mesmo mudar meu estilo e vou lançar alguém no meu lugar, eu quero mudar mesmo, quero tocar reggae...

UM ALOU DO PEPE PRA VOCÊS - S2S2




Agora é sério: não chama atenção que num "PÁIS DE TODOS" ainda haja uma carência tão grande de médicos, que auxilie esses meninos visivelmente atrofiados? Cadê o pre-natal pra essa mãe? Fisioterapia? Afinal, são dois filhos e um sobrinho deficientes. Enfim, não há sequer qualquer paliativo que melhore as condições de locomoção e facilitem o desenvolvimento dessas crianças. Ir para escola em um carrinho de mão embora seja a alternativa que essa família encontrou não é o transporte adequado e nem digno para os garotos. 

Segundo o próprio Pepe, não há nada disso na região de Macaúbas. De acordo com o médico, neurocientista e toxicologista Carlos Collares,  "Enfermidades causadas por alterações genéticas existem aos milhares.Ou seja, impossível determinar ao certo, pelo menos no interior profundo do Nordeste. Ao mesmo tempo, deve-se ressaltar que nem todo gene portado pela pessoa necessariamente se expressa: muitos precisamde condições fornecidas apenas pelo ambiente para poderem se manifestar". 

O médico chama a atenção para ainda óbvia precariedade dos serviços médicos públicos prestados aos brasileiros, "Talvez em outro país, ambas as "coincidências" tivessem sido adequadamente diagnosticadas e tratadas". 

- o site que Pepe criou para o cantor Marcos e sua irmã Luciana é marcoseluciana.com.br
- no post abaixo está o famigerado clipe,
- agradeço aos amigos Eduardo (euamotubaína), Carlos Collares, Alessandro Iglesias e ao empresário do Pepe, Gabriel. 
- Ao Pepe ---- >>>>  boa sorte!


8 comentários:

Amanda Meirinho disse...

parabens camilla você acaba de zerar a vida no hard já pode ir para o céu

Anônimo disse...

Camila,
Muito linda a sua entrevista.
Acho fascinante essas pessoas que tem um talento, uma criatividade, tão grande que não consegue não se manifestar.Que se manifesta aos trancos e barrancos contra tudo e contra todas as dificuldades.
Parabéns pelo seu texto.
E que seu carnaval seja ótimo, do jeito que você gostar e quiser.
Sem blocos,princpalmte os obrigatórios.rs.
Bruno.

Anônimo disse...

camillinha, que é isso flor? que coisa boa. li e vi tudo. muito bom. o homem é um bicho muito legal. carola

Renato Camargo disse...

Demorei pra ler... Ficou mais de duas semanas aberto no Chrome, mas li.

Muito boa sua entrevista e muito triste a história... =/

Que bom que algumas pessoas conseguem alcançar a fama e ainda assim procuram ajudar as pessoas de seu passado, que ainda estão em situação ruim.

Ricardo Siqueira disse...

Pqp que entrevista linda! Parabéns camilla!

Rodrigo Paiva .'. disse...

Acho que é muito interessante elucidar sobre os "verdadeiros" artistas populares. Pepe Moreno é popular por sua música tão quanto pela forma como trata as pessoas que lhe cercam. Parabéns a ele e principalmente a você, Camilla!

Anônimo disse...

xi Pepe é bom estudar um pouquinho viu?rsrsrs

josé roberto balestra disse...

Camila, há certas coisas que não acontecem por acaso; a força do Universo é que rege. Essa entrevista tinha de ser mesmo por suas mãos e do outro lado uma pessoa tão simples como se revelou Pepe, um sujeito inteligente, inspirado e humano. Parabéns!