O Grito da Independência, Pedro Américo
O sol apareceu no desfile de sete de setembro e se juntou ao asfalto para me lembrar exatamente quem eu era. As coisas não estavam bem; o meu estômago doía e de instante em instante eu ia até a Central do Brasil tentar uma solução, mas eu rodava a farmácia e não conseguia comprar nem um remédio, embora a atendente tentasse ajudar. Os milicos cobravam credencial. Eles cobravam como se você fosse um terrorista. Eu tinha credencial e eles se desculpavam. Irritam um pouco os militares brasileiros. Não nada contra a estrutura militar mas, a falta de modernidade deles faz com que sejam quixotescos, um prato cheio para zombaria alheia. De jornalista principalmente. Você sabe, o jornalista mediano se acha tão esperto, que essa crença também não deixa de ser caricatural.
E o sol me queimava. Pensei nas novas pintas que se formariam nos meus braços. A falta de melanina e a aparência de sorvete de flocos. O fotógrafo, um dos mais experientes do jornal, estava pouco se fodendo para mim, é claro. Eu até entendo a atitude do cara, ele pensa: "Estou há 20 anos nisso, babe, não me diga o que fazer, ok?"Ok, mas no final eu vou me lascar. Saber disso me acalmou. Eu iria me dar mal com a chefia, bem...alguma certeza eu tinha. Válido.
Os militares desfilavam e faziam discurso. Em um dos trechos da resenha toda, eu me lembro desta parte: "O exército não tem qualquer preconceito seja social ou religioso..." Achei bacana hein? Fiquei esperanto chegar a parte em que diriam "sexual", mas essa parte não veio. Então imaginei um travesti se apresentando aos seus comandantes.
"Soldado Wannessah, senhor!"
Eu gosto de pensar nessas coisas enquanto o meu rosto está sério e sob o sol. Desfilou também uma tropa especializada em lidar com elementos químicos e/ou nucleares. Os homens desfilaram com aquelas máscaras de dois filtros que os deixam com cara de formigas atômicas assassinas. Uma mulher que assistia ao desfile olhou para mim com cara de medo e perguntou;
"Acha que aquela usina em Angra dos Reis explodiria?"
Fiquei tentada a dizer que sim, que o risco era certo e apenas as baratas sobreviveriam e então nós já éramos se a usina explodisse. Bum e tchau.
"Não senhora, é muito segura aquela usina."
Ela confiava em mim, por causa da credencial. Esse é o perigo. O povo tomar como voz de Deus o que os jornais falam. Fui embora sem grandes novidades e as coisas não terminaram bem.
Um comentário:
Hipocrisia e preconceito facistóide no caso dos militares, o que tem de gay enrustido.. Quanto aos jornais (incluo tv e revista), imagina quando representam uma classe e possuem abrangência nacional.
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