28 de mar. de 2009

Memórias do ano mais pobre de toda a minha vida (Maldita Sinergia)

Urbanóide - de Júlio V.


Segue a pobreza. Não tem charme de Orwell nem de nenhum outro caboclo literato, mas tenho certeza de que quem quer que seja, vai achar a minha pobreza charmosa. Acredite, não é. Quando se é pobre, não se tem liberdade, este é o primeiro ponto e é o mais desesperador. 
Depois conforme disse Huxley "o isolamento é um luxo" e a pobreza faz com que você conviva com as massas. O que eu de fato, vivo a evitar. Mas não tem jeito. Alguém aí ja comeu em refeitório de empresa? Tem alguma noção do que é comer a mesma comida de 500 pessoas, sendo que 399 delas não tem absolutamente nenhuma ligação social com você a não ser a classe? O que isto significa? Ora, você verá trocentas pessoas comendo. Pessoas estranhas, que comem estranho, que compartilham desta intimidade com você. E irá ver a comida que elas preferem, quem não coloca feijão no prato, quem pede pra fritar um ovinho e quem não conhece a sábia regra de repetir ao invés de criar um Monte Everest refogadinho no prato. Mas se há grana... tudo muda. Você pode isolar-se, você não precisa ter o desprazer de se misturar com estranhos, pode sentar em um restaurante e...escolher! A liberdade é a escolha e uma não vive sem a outra. Falta de dinheiro implica na perda da liberdade, mas eu pensava exatamente isto! Eu pensava nessa coisa toda da agregação sendo resultado de falta de dinheiro quando "o puto" apareceu! Mas que raiva!

"Olá moça escute, eu perdi o meu cartão de passagens de ônibus. Não tem como eu voltar pra casa, será que você pode me ajudar? Com uma moeda qualquer coisa."

E eu ajudaria. Sou do tipo que ajuda, não pela coisa toda cristã do próximo e blá blá blá, mas porque eu acredito na biofísica, na lei do retorno e agora pela falta de dinheiro eu creio ainda mais na sinergia - obrigada, é claro. Na minha cabeça se eu desse uma moeda de 25 centavos, eu poderia ganhar de alguma forma, seja ela metafísica ou não, 25 centavos em dobro nas próximas 48 horas. Então eu não daria uma moeda por ele, daria uma moeda em prol de mim mesma. Todo mundo pensa assim quando dá uma esmola. É fato.

"Olha eu realmente não tenho. Tente naquele barzinho alí."

Aí a humildade dele desapareceu. Um ar de ameaça pairou sob nós.

"Nem dez centavos. Nada?"

Malditos viciados. Era provavelmente a porra de um filho de uma senhora pensionista de milico, que aos 50 anos mais ou menos não deveria ter nada a perder a fim de obter o seu sacolé de cocaína. Ipanema está cheia de tipinhos assim.

"Nada. Pô eu sei como são essas coisas, sinto muito."

Agressivou, o coiso;

"Sabe nada! Sua filhinha de papai riquinho! sabe nada, nunca passou dificuldade na rua...!"

Como é que é? Eu não tinha jantado porque não tinha grana, estava andando um légua porque só havia o dinheiro contado para uma passagem de ônibus e esse puto gritou isso na rua? Mas que ódio...que gana!Tudo bem...tudo bem, é um viciado, não se pode lidar com eles quando estão na fissura. Segui meu caminho, mas fiquei ofendida de verdade. Dei uma olhada em mim,roupas legais. Conforme eu sacudia naquele ônibus, a barriga vazia, a sede, o calor e todo aquele gás carbônico estapeando a minha cara, eu me lembrei da Juciara. Éramos cinco garotas em um trabalho temporário no ano passado. A Juciara era uma repórter medíocre, eu sacaneava ela pelas costas o tempo inteiro. Usava sapatos feios, a mesma calça feia todo o dia e o cabelo dela era uma prévia de um ataque terrorista. Não que eu sacaneasse ela por essas futilidades, a Juciara era mau caráter mesmo. Mas era econômica! Filha da mãe,criticava se nos via com algo novo.

"Hum tênis novo? Você gasta hein?"

Eu pensava em mandar ela pro inferno, mas preferia ignorar já que a convivência é menos traumática quando levada de forma linear. O que ela tinha a ver se eu gastava já que aquela pergunta era pura maldade? Em nada Juciara pensava na minha felicidade ante aos meu tênis novos. E assim fizemos o trabalho, ela fingindo que gostava de mim e vice-versa. Daí que outro dia quando eu voltava de uma caminhada encontrei Juciara dentro de um carro, um bom carro;

"Ei, você quer carona?"

Aceitei, ela disse que deu entrada no carro com a grana do trabalho - eu paguei quase dois semestres de faculdade atrasada, comprei roupas e comi fora, muitas vezes. Quando me deixou em casa ela perguntou;

"Tem algum apartamento pra vender aí no seu condomínio?"

Fiquei de ver pra ela e fui pensando se vale a pena ser uma baranga com posses ou ser alguém como eu.

4 comentários:

Fabiana Mendonça disse...

Alguém como você, of corse, mina!
Ó, te coloquei numa roubadinha, do tipo passa-e-não-devolve, e justamente por isso. Vai lá:
http://agramadovizinho.zip.net/arch2009-03-29_2009-04-04.html#2009_03-29_13_26_59-125927841-0

Bêjo!

Anna Luiza Guimarães disse...

Amiga, nada melhor do q ser vc. Só um obs: A Juciara me lembrou muito uma pessoa... hehehe.
Bjs

Dom disse...

Madre Léia! pelo volume da carteira já tô vendo que a viajem para Itacaré mixou... é uma pena Camilla, se você viesse a Itacaré poderiamos nos encontrar e tomar pinã colada juntos... se bem que eu prefiro a "vingança de rasputin".

um beijo.

R,

celia.musilli disse...

Melhor vc, Camila, muito melhor vc que, ainda sem carro e sem muita grana, sabe viver..e sem incomodar ninguém..rs Um beijo!