4 de dez. de 2008

Conversa póstuma

óleo sobre tela de João Werner 


Reproduzo aqui um belíssimo poema do meu amigo Miguel do Rosário 

Conversa póstuma

de que adianta morrer
se deixas teu cheiro
e contas não pagas
em hotéis baratos
da praça tiradentes?

de que adianta fugir
para outros mundos
sem compreenderes
que o amor
não cobra dívidas?

ainda estamos aqui
apreendendo
a poesia
enquanto te entorpeces
junto a são pedro

tua festa póstuma,
sinto informá-lo
foi cancelada

mesmo agora
perante o vazio
tua amizade
continua se esfacelando

não há bondade
sem elegância
e as cegonhas
daquele filme russo
ainda voam

*

nem as bandeiras
que agito
nem os versos
canhestros
os pombos mortos
a neuro-solidão
e as cigarras
histéricas do aterro
nada se compara
ao grito de guerra,
covarde, louco,
ecoando lá no fundo
infinito
da história

*

talvez uma autópsia
permita descobrir
o poema
oculto em tuas entranhas
aquele que nunca
lograstes escrever

só não me peça
benevolência

com muito custo
e cerveja
mantenho vivos
minha burrice
e talento

a compaixão, porém,
eu guardo
para as crianças
que me pedem dinheiro

*

não te verei mais
no quadrilátero
do crime e talvez
sinta saudades

mas, you know,
bêbados
não tem saudades
bêbados bebem
escutam música
jogam sinuca
arrumam confusão
e se apaixonam
perdidamente
pelas amigas
desempregadas

por isso,
perdoe-me
seu grandessíssimo
filho-da-puta
não tenho tempo
para pensar em ti

não visto figurino
sério demais para um poeta
louco demais para um intelectual
sigo a vida mestiça
e malandramente
ouvindo john hammond

 



2 comentários:

Fabiana Mendonça disse...

Ducaralho, hein, mina?
Vou botar lá no meu humilde.
Beijo!

Camilla Lopes disse...

muito bom né?
o Miguel caprichou, achei maravilhoso.