Meu avô, pai de minha mãe, faleceu de câncer quando eu tinha quatro anos. Segundo minha avó, tive o que se pode chamar de uma leve depressão infantil - não quis ir a escola durante uma semana e perguntava pela volta do capitão gay. Ocorre que, naquele tempo meus avós moravam em Irajá e nós, em Ipanema. Por desagrado ou pela praticidade de uma vida sem filhos, os fins de semana para nós, eu e meu irmão Gustavo, era em Irajá. Havia os tomates do quintal que eu pisava, o cachorro que mordia o meu dedo inocentemente colocado em sua boca - porque a língüa de um cão pode ser chiclete Ploc para uma criança -, o meu carrinho de pedal, os tênis kichute que minha mãe comprava pela resistência deles, ante ao meu pezinho torto. O velho usava dentadura, era imoral e sacana, por isso eu gostava dele. "Faz o vampiro, vô!" E a dentadura corria atrás de mim pela casa e eu pisava os tomates. Eu ria, ria, ria... de doer a barriga. Descobri o quanto é bom rir de doer a barriga, de mijar nas calças. "Agora faz o capitão gay vô!". Ele apontava os bêbados, cumprimentava -os na rua e assim que os pinguços davam as costas dizia; "Lá vai o pé inchado". Malediscente, assim também o sou. O velho enchia a piscina de plástico com uma mangueira, eu pisava os tomates do quintal para ver aquele sumo emergir por entre os meus dedos do pé tortinho. Bati com o carrinho de pedal, vovô bateu as botas no reveillon de 85 - tempos depois no cemitério Jardim da Saudade, me mostraram os ossos do velho dentro de algo que poderia ser chamado de Tappeware. Um mês antes de morrer, vovô pregou uma peça em um bêbado que jazia chapado na calçada; pintou o cachaceiro de vermelho e em volta de seu corpo embebido na pinga de pau - pereira que o próprio capitão gay cover fazia - ele tinha um bar -, colocou umas velas e ficou lá com cara de piedade, velando o bebum. Juntou gente, e de repente o bêbado levanta, e fica puto. Mas ninguém batia naquele velho fanfarrão, sacana e louco que se fantasiava de catraia no carnaval, fazia o vampiro e sempre...sempre que viajava para a praia, fingia que se afogava. Ele ria das próprias piadas, assim como rio das minhas. E cresci meio sacana, meio piadista, meio sem vergonha na cara, rindo para não chorar. Ele já quase não andava, mas lembro que disse: "Tira esse kichute da menina. Deixa ela pisar essas merdas de tomates... com os pés livres ela vai poder fazer o que quiser."
P.s. Para Marcelo, que sempre ouve minhas histórias e que me faz rir e chorar em alternadas horas, mas que eu amo de um jeito ou de outro, seja pelo que é, pelo que já foi, ou por o que será eternamente.
3 comentários:
bom, camila, muito bom. me deu até inveja. talvez por eu não ter tido nenhum contato assim com meus avôs e avós. a não ser uma excepcional conversa de calçada certo dia, em que conversamos sobre lampião e padre cícero. fora isso, mais nada. PS: www.blogdogafanhoto.zip.net
oi amiga...depois passa lá no meu blog, falei de vc lá...espero que goste..bjinhus
DOuglas Gamma
Vou ver querido, obrigada, um beijão!
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