O meu padrasto, o Rafael, está com câncer, metástase. Ele está bem, a gente não encara isso com aquele ar de novela do Manoel Carlos, não tem aquele clima pesado, o cara faz quimioterapia, se cuida como pode e assim vai sobrevivendo. A palavra é sobrevida mesmo, uma vez que se descobre a metástase cancerígena, você vai morrer, pode ser em dois dias, ou em dois anos. O óbvio ululante da morte somente é antecipado. Grande coisa, se o inesperado for levado em consideração, se também for relevante a violência das capitais, a neurose do câncer em todas as atividades cotidianas e seus apetrechos (microondas, celular, estresse, cigarro, poluição, MacDonald´s - este não poderia ficar de fora). Fico pensando se o Rafael plantou o câncer dele, que começou no pâncreas... talvez, mas eu não acredito muito nisso. Realmente o cara enfiou muito o pé na jaca: quando ele começou a namorar minha mãe de novo- ele foi o primeiro namorado dela, que depois de cinco anos chutou ele e casou com meu pai, e depois de 25 anos, chutou meu pai para ficar com o Rafael e está até hoje. Eles acham essa história linda, me pediram pra escrever, mas eu acho meio brega, um tanto folhetim, só não vou dizer isso a eles - fumava três carteiras de cigarros Marlboro, o tempo que não estava trabalhando (ele é engenheiro) estava tomando cerveja. O cara é engraçado, ele tem mania de ordenar tudo, de por matemática em tudo, de mandar na gente, dar lição de moral, essas coisas. Eu acho engraçado a sessão da "lição de moral", em geral ele sempre diz o quanto é bom economizar dinheiro, a fazer pós graduações, a não arrumar confusão que possa envolver a polícia - sério, ele me disse para ter cuidado e nunca ser fichada na polícia. Uma vez, ele pediu a conta três vezes em um restaurante, o cara não atendeu, ele então disse;
"Vocês duas, levantem e vamos embora agora! Que se foda"
Ele sempre fala "Que se foda", ou "Ah...muleque", "Ih maluca". Nesse dia, o da conta não paga, ele saiu cantando pneu. Aliás, mesmo careca o cara não anda a menos de 100km/h. Como não estou trabalhando, tenho acompanhado ele sempre que minha mãe não pode. Não dá mais para ele sair sozinho, a quimio faz muito mal, o cara pode desmaiar e tudo, então sempre vou aos exames, ao açougue, supermercado, o que for. Acho que ele não gosta muito, tem essa coisa da dignidade. Um cara que sempre saiu às seis da manhã com Led Zeppelin no volume máximo do carro, fala grosso, briga com garçons e agora tem que ter a enteada como babá, é difícil. Eu aproveito e faço todas as perguntas, ele nem liga;
"Porque você não fuma maconha? Pergunte ao seu médico, é bom fumar maconha."
"Já perguntei. E ele disse que eu posso fumar. Eu fumo, às vezes."
"E você tem vontade de beber?"
"É...não tenho."
"Mentira, você tem sim. Mas você não bebe porque tomar só dois copinhos é uma merda. Pode falar."
"Exatamente. Esse negócio de só um pouquinho, é foda."
Quando o Pavarotti morreu, eu que avisei lá em casa. E quando disse que era câncer e ele perguntou de quê, eu menti, não disse que era o mesmo do dele;
"O Pavarotti morreu de câncer no fígado e ele também era diabético e hipertenso. É muito diferente de você, você é um cara saudável."
E assim levamos as coisas, da melhor forma possível. Claro que todo o trâmite inclue algumas mentiras, já que conforme eu percebo sempre, a verdade muitas vezes é dispensável.
5 comentários:
Buenas.
Camille, o que te dizer? Muita coisa.
Vou roubar este texto, qualquer dia, e fazer umas considerações no meu blogue. Me autoriza?
Muita, muita saudade da minha amiga vascaína. E vou te mandar a novena por e-mail, acho mais simples.
Se cuida, 29 beijos.
Ah, Camillinha, manda um beijo pra ele e pra tua mãe, to aqui orando, falou? Beijo
Hey Dear,
Agora você me ganhou de verdade (rs).
Gostei muito do post.
Beijos
É Japa, se a gente não leva, a gente empurra. Um beijo.
gostei bjs
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